terça-feira, 13 de março de 2012

toda noite

o ventilador do lado esquerdo parou. a boca do professor continuava seu movimento de sobe e desce, talvez explicando a teoria geral do processo, talvez numerando os principios que regem o direito penal, talvez reclamando do calor. gotículas de suor brotavam de sua testa. eu era todo atenção para o cubo que desenhava no verso de um folheto de cursinho. o ventilador do lado direito parou. as gotículas de suor haviam se tornado manchas na camisa do professor, em suas costas e embraço de seus braços. e sua boca ainda se movia, dessa vez claramente em protesto, fosse contra o formato da Carta Magna da Nação, fosse contra a falta de estrutura da sala. o verso do folheto de cursinho agora era todo cubos desenhados, e eles tinham toda minha atenção. o ventilador do lado esquerdo voltou a funcionar. o professor discretamente se deslocou pra esse lado da sala, visivelmente incomodado com a morosidade dos tramites judiciários no país e com a sua roupa agora encharcada de suor. eu já não me preocupava com folhetos de cursinho, nem com cubos desenhados, mas desejava ardentemente minha rede e meus lençóis. meus olhos bateram pela primeira vez, e eu vi um bebê ponêi entrando pela porta da sala da frente, andando de patins. ou talvez fosse um esquilo. não, acho que não era um esquilo. me senti mal, pensando em como filhotes de ponêi ainda me incomodavam. o ventilador do lado direito voltou a funcionar. o professor debandou em sua direção, alheio a sobrecarga do sistema judiciário e às poças de suor que deixava em seu caminho. a vibração do celular me tirou o cochilo dos olhos e o ponei do pensamento, mas embaixo da capinha rosa do telefone, havia apenas a cobrança de uma operadora qualquer. o ventilador esquerdo parou de funcionar. o professor, desiludido, desistiu de sua revolta, apoiou a perna na mesa e continuo a mover sua boca, espalhando expressões importantes e sem nenhum sentido. meus olhos bateram pela segunda vez, e eu sonhei que ganhava um perfume francês no sorteio de uma rifa, que via o por do sol em joão pessoa no dia do vestibular, e que acordava no dmingo às sete e meia da mahã pra ir pra missa. o ventilador do lado direito parou de funcionar. o professor tentava não se afogar com o suor, enquanto uma parcela da turma planejava uma revolução comunista pra instituir um Etado igualitário e laico no Brasil. o meu celular vibrou novamente, enquanto eu lia a piada do meu amigo sobre embuás e academia, me perguntava porque diabos a capinha do meu celular era pink. lembrei que ela é muito bonitzinha e deixei pra lá. os dois ventiladores voltaram a funcionar. o professor fazia a chamada, mas a revolução não estourara. digitei um "cadê você" no whatssapp. o machucado no meu cotovelo, coberto por um band-aid do batman, ardia um pouco quando eu peguei meu caderno e o ventilador de uma cearense individualista. saí da sala mancando um poucoe arrastando os pés. escutei quando o ventilador do lado esquerdo parou de funcionar.

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