segunda-feira, 26 de março de 2012

conto de fadas

Ela não tem sapatinhos de cristal. Ela não tem coroa, e, ate onde eu sei, seu pai não é exatamente um rei. Ela não usa joias reais nem participa de bailes ou banquetes, nem anda de carruagem. Não sei se ela sabe todas as regras de etiqueta, não sei se ela sabe qual a faca certa pra peixe ou pra carne. Sei que ela tem um par de tênis dourados. Sei que ela usa anéis que comprou escondida, e que janta cachorro quente quase todo dia. Sei que ela sempre me chama de idiota, e sempre me manda calar a boca. Sei (e não sei se ela sabe disso) que o sorriso dela é tão bonito (e eu gosto tanto), que ela não precisaria nunca de coroa nenhuma. Mas não é por isso que ela não merece um conto de fadas.

A incrível historia da princesa que chora lagrimas doces, porque não? A princesa que tem vergonha de levantar os braços em shows de rock. A princesa com crises de asma, a princesa com dez vezes mais alergias que uma pessoa normal, a princesa dos mil remedios. A princesa que pintou os cabelos de dourado. Princesa aventureira: tirando a carteira de motorista. A princesa e seu castelo de chocolate branco Nestlé.

As vezes eu esqueço como a princesa desse conto de fadas gosta de mim. Me chamando de idiota, falando que não gosta da minha barba, mandando eu usar uma camisa ridícula, dizendo que não me ama. Mas quando eu lembro do jeito que ela ri ate faltar ar quando eu faço cócegas, eu tenho forcas pra atura-la mais um pouquinho.

No conto de fadas dessa princesa, eu não sou nenhum príncipe encantado. Eu fico mais pra senhor seu irmão, consertando as besteiras que ela faz, escutando ela chorar e reclamar, estando pronto pra dar um abraço quando tudo o mais faltar. Ai eu fico aqui, torcendo pra que ela tenha um final feliz, brincando de ser iludido e de conquistar as duas da manha, tomando um McFlurry roubado.

Mas, do jeito que eu sou besta por ela, sempre vou deixa-la ficar com o ultimo minibis.

terça-feira, 13 de março de 2012

toda noite

o ventilador do lado esquerdo parou. a boca do professor continuava seu movimento de sobe e desce, talvez explicando a teoria geral do processo, talvez numerando os principios que regem o direito penal, talvez reclamando do calor. gotículas de suor brotavam de sua testa. eu era todo atenção para o cubo que desenhava no verso de um folheto de cursinho. o ventilador do lado direito parou. as gotículas de suor haviam se tornado manchas na camisa do professor, em suas costas e embraço de seus braços. e sua boca ainda se movia, dessa vez claramente em protesto, fosse contra o formato da Carta Magna da Nação, fosse contra a falta de estrutura da sala. o verso do folheto de cursinho agora era todo cubos desenhados, e eles tinham toda minha atenção. o ventilador do lado esquerdo voltou a funcionar. o professor discretamente se deslocou pra esse lado da sala, visivelmente incomodado com a morosidade dos tramites judiciários no país e com a sua roupa agora encharcada de suor. eu já não me preocupava com folhetos de cursinho, nem com cubos desenhados, mas desejava ardentemente minha rede e meus lençóis. meus olhos bateram pela primeira vez, e eu vi um bebê ponêi entrando pela porta da sala da frente, andando de patins. ou talvez fosse um esquilo. não, acho que não era um esquilo. me senti mal, pensando em como filhotes de ponêi ainda me incomodavam. o ventilador do lado direito voltou a funcionar. o professor debandou em sua direção, alheio a sobrecarga do sistema judiciário e às poças de suor que deixava em seu caminho. a vibração do celular me tirou o cochilo dos olhos e o ponei do pensamento, mas embaixo da capinha rosa do telefone, havia apenas a cobrança de uma operadora qualquer. o ventilador esquerdo parou de funcionar. o professor, desiludido, desistiu de sua revolta, apoiou a perna na mesa e continuo a mover sua boca, espalhando expressões importantes e sem nenhum sentido. meus olhos bateram pela segunda vez, e eu sonhei que ganhava um perfume francês no sorteio de uma rifa, que via o por do sol em joão pessoa no dia do vestibular, e que acordava no dmingo às sete e meia da mahã pra ir pra missa. o ventilador do lado direito parou de funcionar. o professor tentava não se afogar com o suor, enquanto uma parcela da turma planejava uma revolução comunista pra instituir um Etado igualitário e laico no Brasil. o meu celular vibrou novamente, enquanto eu lia a piada do meu amigo sobre embuás e academia, me perguntava porque diabos a capinha do meu celular era pink. lembrei que ela é muito bonitzinha e deixei pra lá. os dois ventiladores voltaram a funcionar. o professor fazia a chamada, mas a revolução não estourara. digitei um "cadê você" no whatssapp. o machucado no meu cotovelo, coberto por um band-aid do batman, ardia um pouco quando eu peguei meu caderno e o ventilador de uma cearense individualista. saí da sala mancando um poucoe arrastando os pés. escutei quando o ventilador do lado esquerdo parou de funcionar.